Desafios Econômicos Globais: Adaptação da Política Monetária em um Contexto de Mudanças Profundas

28 de agosto de 2023

Nos últimos anos, o mundo tem enfrentado uma série de desafios sem precedentes que abalaram as estruturas da economia global e trouxeram à tona a necessidade de uma nova abordagem da política monetária. Os desarranjos da oferta e demanda decorrentes da pandemia, seguidos por mudanças geopolíticas e da estrutura de comércio têm redefinido as interações econômicas globais, resultando, dentre outros aspectos, no ressurgimento da inflação (relativamente ausente desde 2008 e esquecida sobretudo pelos países desenvolvidos).

Apesar da reação dos bancos centrais (como previsto nos manuais de economia) de aperto da política monetária (ex. aumento dos juros) e respectivos avanços alcançados, a batalha contra a inflação ainda não está plenamente vencida, conforme discurso de Jerome Powell, presidente do FED, no simpósio de Jackson Hole1 e ilustrado pelos dados acima das metas em diferentes países (gráfico abaixo).

1 Jay Powell warns inflation ‘too high’ in Jackson Hole speech | Financial Times (ft.com)

A política monetária tradicional tem confiado nas regularidades passadas para moldar estratégias futuras. No entanto, a introdução de mudanças disruptivas no atual contexto levanta a questão de até que ponto essas regularidades podem continuar a guiar as políticas com eficácia. Se as dinâmicas atuais indicam uma nova era, então as abordagens tradicionais podem perder relevância e necessitar reavaliação das estratégias pelos bancos centrais.

Como destacado por Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu, a atual conjuntura econômica demanda uma abordagem mais adaptativa e abrangente da política monetária. Exemplo disso é o fato de enfrentamos um cenário onde as dívidas públicas e privadas atingiram níveis elevados, tornando qualquer aumento nas taxas de juros uma preocupação fiscal significativa. Portanto a política fiscal também emergiu como um fator inflacionário relevante, alterando o trade-off entre a busca pela estabilidade financeira e a contenção da demanda agregada.

Historicamente, os choques eram mais previsíveis e centrados em aumentos ou reduções na demanda. No entanto, a diversificação dos choques — de demanda versus oferta, transitórios versus permanentes — torna a identificação de sua natureza mais desafiadora. Isso exige que os bancos centrais adotem uma postura mais humilde (para reconhecer o desconhecido) e abordagens modificadas que sejam resilientes às mudanças repentinas e inesperadas no cenário macroeconômico, conforme sugere Lagarde.

Ademais, como as políticas monetárias operam em meio a defasagens (os efeitos pretendidos não são imediatos), agir antes que os parâmetros do novo ambiente se tornem totalmente claros é uma necessidade premente. Além disso, incorporar as expectativas das famílias e dos agentes econômicos sobre a inflação futura é essencial para moldar as condições de demanda agregada e de preços dos ativos. Essa abordagem prospectiva é essencial, apesar de a compreensão completa dos efeitos das decisões só ser possível após o fato.

Um exemplo claro dos desafios trazidos pelos novos choques de oferta pôde ser visto na pandemia da COVID-19. Durante esse período, a escassez de insumos e interrupções nas cadeias de suprimentos levaram a pressões inflacionárias em alguns setores. A postura complacente de certos bancos centrais em relação a esses choques pode ter contribuído para catalisar o avanço da inflação em determinadas geografias. Uma abordagem adaptativa e proativa teria permitido respostas mais ágeis para conter tais pressões e manter as expectativas de inflação ancoradas.

Por sua vez, a estabilidade das expectativas de inflação é vital para manter a confiança dos consumidores e empresas. Um exemplo disso é o efeito que a incerteza inflacionária pode ter nas decisões de gastos e investimentos. Se as expectativas de inflação não estiverem ancoradas, os consumidores podem adiar compras e as empresas podem hesitar em investir, prejudicando assim a demanda agregada e, consequentemente, o crescimento econômico.

Neste contexto, os formuladores de políticas precisam adotar novos parâmetros que os ajudem a tomar decisões robustas sob condições de instabilidade. Em um mundo em constante transformação, a adaptação, conforme Lagarde, é chave para a formulação de estratégias que equilibrem a necessidade de estabilidade com a realidade de um cenário em mutação constante.

Dentre as grandes transformações atualmente em curso, podemos elencar as alterações no mercado de trabalho e na natureza das ocupações (com a forte recuperação da demanda por mão-de-obra após a pandemia e difusão da utilização de inteligência artificial), os impactos

ambientais decorrentes das mudanças climáticas e a transição para energias renováveis (gerando oscilações nos preços das commodities), além da divisão geopolítica e fragmentação da economia global em blocos concorrentes (ocasionando mudanças nos padrões de comércio e reconfiguração das cadeias globais de produção).

Conclusão

Diante da constante evolução do cenário global, os bancos centrais enfrentam o desafio de adaptar suas estratégias para manter a estabilidade econômica e financeira. As mudanças profundas nas interações econômicas, decorrentes de fatores como a pandemia, a transição energética e as tensões geopolíticas, exigem abordagens mais flexíveis e adaptativas das políticas monetárias. Priorizar a estabilidade das expectativas de inflação, agir de maneira prospectiva e adotar novos frameworks são passos cruciais para enfrentar tais desafios e moldar um futuro econômico mais resiliente e sustentável.

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